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Reflexões sobre comunicação e relacionamentos

Autora: Lecticia Rapôso

Ao começar a pensar no tema comunicação, logo me ocorre um dos axiomas da comunicação proposto por Paul Watzlawick no seu livro Pragmática da Comunicação Humana, que é : “É impossível não Comunicar”. Mas o que exatamente isso quer dizer? Simples, todo o comportamento está sempre comunicando alguma coisa, e um indivíduo não pode não se comportar, por isso a não comunicação não existe. “A atividade ou total inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui um valor de mensagem, influenciam outros, e estes por sua vez, não podem não responder a estas comunicações e, desta forma, também estão comunicando” ( Watzlawick et al. 1991 pag.45). Afinal, quem nunca ouviu a frase: quem cala consente?

Bem, entendendo que a comunicação sempre acontece de uma forma ou de outra, podemos agora procurar entender em que contexto ela ocorre. Poderíamos dizer que a essência da comunicação reside nos processos relacionais e interrelacionais. As relações humanas estão imersas em processos comunicacionais, mas será que nos damos conta que mesmo que não queiramos estamos nos comunicando, passando alguma mensagem para o outro ao nosso lado?

Como terapeuta com experiência no atendimento de casais percebo o quanto que os conflitos trazidos ao meu consultório por casais ou mesmo por indivíduos sozinhos tem a ver com a comunicação que se está estabelecendo nestas relações.

Um fator que percebo no relacionamento dos casais que atendo e que, a meu ver, compromete a comunicação no casal é a perda de curiosidade sobre o outro. É verdade que com o tempo acabamos por afinar a nossa percepção do outro, o que pode ter muito aspectos positivos, como por exemplo saber programar uma noite romântica com tudo que o seu parceiro mais gosta ou identificar claramente os sinais de indisposição de seu parceiro e não insistir em algum assunto ou programa que naquele momento pode acabar em briga. Porém, quando achamos que conhecemos o outro mais do que ele próprio, que somos capazes de interpretar todas as suas mensagens sem a ajuda dele, ou seja, que o outro se tornou tão previsível que a minha curiosidade sobre suas atitudes e comportamento chegou no nível zero, bem, aí sim, começam os problemas…

Observo que os indivíduos que chegam nesse nível nas suas relações desenvolvem o que eu chamaria de um diálogo interno muito mais intenso que o diálogo e a troca com o outro. Esse diálogo interno se faz entre nós e nosso “arquivo de conhecimento do outro”[1] que temos registrado em nosso íntimo depois de tantos anos de convivência. Uma atitude, um comportamento, um olhar, já pode ser decifrado por mim de acordo com meu “arquivo de conhecimento do outro” sem precisar perguntar nada ao meu parceiro. Reparem que os casais com pouco tempo de relacionamento estão muito mais abertos para conhecer o outro, tem muito mais curiosidade e a troca na relação acontece com muito mais vivacidade. Entretanto, mesmo com muitos anos de relacionamento, devemos pensar que nunca saberemos tudo sobre a outra pessoa, nada é tão óbvio assim. O nosso conhecimento do outro deve ser nosso aliado no relacionamento, algo que nos ajuda a ter sensibilidade para as necessidades de quem está ao nosso lado, e nunca algo que nos distancia do outro a ponto de desenvolvemos mais o diálogo interno do que o diálogo na relação.

Neste ponto me ocorre outro axioma apresentado por Paul Watzlawick e que também considero fundamental ser observado nos processos comunicacionais que é o fato da a comunicação ser de dois tipos: o digital ( tem a ver com o conteúdo da informação, é objetivo, preciso) e a analógica ( tem a ver com a relação, a forma, é mais ambíguo e subjetivo). Simplificando, nós poderíamos dizer que toda comunicação tem algo que é falado (digital) e como é falado (analógico). Nas relações muitas vezes nos descuidamos da forma e nos preocupamos apenas com o conteúdo. É interessante pensarmos que a comunicação analógica pode muitas vezes facilitar a comunicação digital, como por exemplo falar coisas difíceis de uma forma que o outro consiga ouvir. Lembro-me de uma mestre minha muito querida que falava sempre “precisamos aprender a falar cantando…” para que o que temos a dizer para o outro, seja de que natureza for, chegue aos seus ouvidos como uma melodia. Outro ensinamento precioso a este respeito é que precisamos aprender a falar o NÃO da mesma forma que falamos o SIM. Ao cuidarmos da forma como nossas mensagens chegam no outro estamos cuidando de nós e do outro, isto é da relação.

É incrível como algo que simplesmente acontece o tempo todo na vida das pessoas, que é o comunicar-se, pode ter aspectos tão sutis, diria até mesmo quase que imperceptíveis mas com um impacto tremendo nas relações. Que este texto tenha ajudado a ampliar a consciência que é impossível não comunicar, a importância de resgatar a curiosidade pelos comportamentos do outro nas relações do dia a dia, e possibilitar o cuidado do conteúdo e da forma na comunicações nos relacionamentos.

[1] Aspas da autora